top of page
Search

Como criar monstros únicos e memoráveis - Dose de XP #18

O que faz um mestre escolher usar um monstro em sua campanha; o que faz os jogadores lembrarem de algumas criaturas como icônicas.

Atualmente, o banco de dados do D&D 5e conta com 1.065 monstros. De Aarakocra à Zuggtmoy, estas são apenas as criaturas oficiais, publicadas em bestiários e expansões pela Wizards of the Coast até 2021. São tantos monstros que os jogadores podem atravessar todos os cenários – do espaço sideral ao centro da Terra – em todos os planos de existência – de Mechanus à Feywild – sem nunca correr o risco de ficar sem oponentes de diversos níveis de desafios.


Entretanto, a demanda é insaciável: quatro novas raças jogáveis vieram com Spelljammer e mais tantas são aguardadas com o lançamento de Dragonlance. Além disso, todo mestre criativo tem suas criaturas caseiras. Por quê? Os monstros que já existem não são bons o suficiente? Os jogadores já exauriram todas? Mais complicado ainda: alguns monstros são muito mais utilizados do que outros – beholders e cubos gelatinosos e lichs e mímicos são célebres; enquanto eu nunca topei com um meenlock ou um berbalang e nem um coautl.


Comecei a pensar nessas questões porque neste momento trabalhamos no cenário próprio do Metajogo, que virá com pelo menos quarenta monstros novos no mesmo sistema d20 utilizado pelo D&D. Eu gostaria que nossos monstros fossem memoráveis e distintos, e que não se somassem ao infinito bestiário das ameaças desprezadas (esse seria um bom nome para um livro de monstros, aliás).


Canônicos


Algumas criaturas são usadas de forma autoconsciente, não porque sejam extremamente efetivas, mas porque fazem parte do cânone do D&D. Essas moldaram a história do jogo e hoje compõem a linguagem da exploração de calabouços que formava a maior parte do jogo em seus primeiros dias. Estou falando de mímicos, feras deslocadoras, ursos-coruja.


Veja o esqueleto, por exemplo. É uma criatura que se tornou estruturante do jogo por ser o morto-vivo mais comum em níveis baixos encontrado em bandos, e assim tornou úteis habilidades de clérigo e paladino. Hoje existem muitos outros mortos-vivos com nível de desafio 1/4 que poderiam substituí-lo, mas ele continua sendo usado por nenhuma razão particular além do cânon – quem nunca viu uma miniatura colorida de esqueleto?


O mesmo serve para mímicos, o baú de tesouro que na verdade é um monstro. Já é tão conhecido que perdeu parte de sua utilidade como armadilha, de modo que recentemente ganhou a habilidade “shapechanger” para assumir a forma de qualquer outro objeto menos manjado. Mas o mímico ainda é frequentemente encontrado como baú mesmo, e essa escolha é uma forma de aceno através do tempo aos mestres old school.


Outros monstros, como dragões e cubos gelatinosos e beholders, estão enquadrados parcialmente aqui. Em parte, eles são obrigatórios no arsenal do mestre de hoje porque foram protagonistas no passado. Entretanto, eles são diferentes do urso-coruja, que não faz nada único e pode ser facilmente substituído por centenas de outras aberrações grandes com nível de desafio 3.


O cubo gelatinoso está aqui porque é canônico, mas, ainda que não fosse, ele funciona. Diferentemente do mímico, o cubo pode ser usado para gerar tipos inesgotáveis de armadilhas. Ele pode se desprender do teto; ele pode estar abaixo do alçapão; ele pode ter algo interessante dentro; ele pode ser derrotado de diversas formas e nenhuma delas é convencional.


Dragões, liches e beholders fazem magias, falam, têm personalidades únicas, assumem formato humano ou têm emissários que avançam seus planos e tramas. Outros vilões também conseguem fazer essas coisas, como a múmia (mummy lord), mas a múmia não se consagrou como a alma do D&D. Em algum ponto no passado, uma aventura cujo antagonista era o beholder foi mais bem recebida e hoje os beholders têm mais campanhas e formatos.


Meenlocks, berbalangs e coautls foram esquecidos porque se perderam em meio aos infinitos outros sacos de HP com uma ou outra habilidade especial. As pessoas pensam que o trabalho de criar monstros está em atribuir valores equilibrados de CA e atributos a um bicho de aparência legal, mas este gerador aleatório de monstros é capaz de fazer isso mais rápido do que qualquer um, e sua criação não é genial. (O gerador ainda atribui habilidades aleatórias às criaturas – em um segundo “criei” um Hulk invisível, um ogro necrótico e uma hidra apodrecida.)


Modernos


Excluídas as criaturas canônicas, para que um monstro seja escolhido por um mestre, ele deve funcionar para criar situações interessantes. O momento em que um mestre decide criar mais um monstro é quando ele percebe um combo original, ou uma novidade narrativa, ou uma fraqueza da party. É o momento “e se”. Ele tem um insight e se pergunta: “E se eu criasse um monstro-trampolim cujo único ataque é arremessar os jogadores para cima?”; “e se eu criar um monstro-paranoia que faz os personagens ouvir o que os jogadores falam ao redor da mesa?”; “e se eu criar um tatu que rouba os itens do grupo e vira uma bola indestrutível?”, etc.


Essa não foi a forma de criar monstros que existiu durante a maior parte do D&D por uma razão simples: apenas recentemente o D&D se tornou um jogo primordialmente narrativo. A abordagem narrativa da quinta edição favorece a trama e a criação de situações interessantes.


Durante a maior parte de sua história, o D&D foi um jogo de exploração de calabouços – formato que pedia por muitas criaturas semelhantes de níveis de dificuldade diferentes. Para que grupos de níveis diferentes fossem confrontados com o desafio da petrificação, foram criadas cocatrices (nível de desafio 1/2), medusas (nível de desafio 6) e beholders (nível de desafio 13).


Esse paradigma não faz tanto sentido na quinta edição, onde é concebível que um monstro fraco como um kobold tenha como representante um indivíduo forte. A consequência, entretanto, ficou. Quem hoje olha a infinita biblioteca de monstros pensa que tudo que poderia ser feito já foi feito, sem perceber que grande parte do bestiário é redundante. Por isso, fazer um monstro original não é tão difícil – contanto que você parta da premissa certa. Ao invés de atribuir diferentes valores de dano para as garras; se pergunte “e se” as garras tiverem diferentes efeitos.



Post: Blog2_Post
bottom of page