Pare de criar esses problemas para si mesmo. Seguir esses conselhos vai te economizar tempo e esforço.
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Já existem listas demais na internet com dicas para mestrar melhor, e acredito que elas são praticamente inúteis. Não é que os conselhos sejam ruins, é que existem dois fatores que impedem que elas sejam colocadas em prática. O primeiro é que o mestre tem tantas preocupações enquanto narra que dificilmente consegue se lembrar de ensinamentos lidos de antemão. Por isso, contraintuitivamente, as sugestões são mais úteis quando livram o mestre de fazer algo, ao invés de lhe informar algo a mais. Por isso, a maioria das minhas recomendações são métodos para deixar de criar problemas para si mesmo.
O segundo problema dos coach de mestres é o fato de que a atividade de narrar só pode ser praticada enquanto se narra e, neste momento, há uma mesa de jogadores interessados mais na campanha do que no desenvolvimento pessoal do mestre. Isso significa que as orientações não podem desmontar completamente a forma como o mestre trabalha, mesmo que ela esteja “errada”, ou as campanhas desse mestre vão parar de funcionar e ele vai acreditar que sua orientação foi ruim – e foi mesmo. Por isso, vou recomendar apenas incrementos pequenos que podem ser experimentados isoladamente e sobre os quais o leitor pode construir mais coisas em cima.
Pronto, chega de dar dicas sobre como dar dicas e vamos às dicas de fato.
1) Desconheça algumas regras
Minha maior insegurança enquanto mestre sempre foi a ideia de conhecer todas as regras. Quando eu desconhecia uma regra, eu inventava algo na hora. Acho difícil decorar exceções e normas específicas, mas acho fácil compreender o espírito geral da coisa e consigo criar uma gambiarra que funciona provisoriamente.
Entretanto, regras improvisadas apenas pelo mestre significam que os jogadores ficam de fora da solução de conflitos. Aqueles que leram o livro de antemão são punidos, pois perderam seu tempo memorizando leis que são ignoradas pelo mestre.
Há aí um medo do narrador de perder a liderança da história, de ser substituído por um jogador mais bem informado. Isso revela o desconhecimento acerca do papel de cada um. O que faz o mestre ser o mestre não é o conhecimento das regras.
Assumir o desconhecimento é benéfico por diversas razões. Normalizar a consulta das regras no livro acaba livrando o mestre do medo de parecer amador. Tente, não vai doer. Interrompa o jogo rapidamente para tirar uma dúvida e se livre do desperdício de energia que é manter a farsa de ser um oráculo. Continue normalmente e perceba que ninguém tomou o seu lugar como mestre.
2) Pare de planejar tudo
Aqui temos outra decisão tomada com intuito de evitar o problema que a sua própria decisão está causando. Com receio de ter encontros chatos ou de “barrigas” na história (períodos de baixo interesse narrativo), o mestre pode sobrecarregar o jogo com reviravoltas, excesso de detalhes e conflitos desnecessários.
O primeiro problema que decorre do planejamento excessivo é o descarte da contribuição dos jogadores. Para obter o máximo de drama, o mestre escolhe quais acontecimentos acontecerão independentemente das ações dos jogadores. Contraditoriamente, ele assim tira qualquer importância da trama para os jogadores, que já não participam mais dela.
O segundo problema é que encontros planejados podem ser mais chatos do que os encontros aleatórios. Mais sobre esse tema no Dose de XP #12, “Quando as tabelas de encontros aleatórios valem a pena”.
O terceiro problema é que o excesso de detalhes pode ser chato. Descrições só são significativas se forem (A) significativas ou (B) úteis. Ouvir uma exposição de algo novo pode ser significativo, se o mestre elencar pontos essenciais que resumam o todo ou que transmitam seu sentido de forma sucinta. Ao nos deparar com algo novo, não absorvemos uma lista de característica daquela coisa – nossa atenção se volta para aspectos mais importantes primeiro, nossa imaginação cria metáforas para comparar a novidade com o conhecido.
Detalhes também podem ser interessantes para os jogadores se forem úteis – se você descreveu as pedras na parede da taverna, é bom que exista uma passagem secreta ali, ou ouvir você falar sobre uma parede de pedras ordinária terá sido uma perda de tempo. Para mais, leia a respeito da Arma de Anton Chekhov.
3) Você não precisa contar uma história complexa
Isso é como um fumante inveterado te mandando parar de fumar. Eu não consigo criar histórias simples. Enquanto mestro, ideias interessantes surgem e eu não resisto, eu quero ver o que os jogadores vão achar delas. Isso torna as campanhas surpreendentes para os jogadores e para mim, mas então eu preciso inventar justificativas de causa e consequência que conectem essa improvisação à história principal, e as coisas vão se empilhando de forma maluca.
Por um lado, eu acho que isso faz parte do meu “estilo” de mestrar (se é que tenho um). O resultado tem a riqueza de climas e humores que a vida real também tem; e os eventos terminam sendo improváveis e inexplicáveis, da mesma forma que eu acho que a vida real também é. Por outro lado, se os jogadores param no final da jornada para olhar para trás, eles não enxergam um arco dramático organizado. Se alguém tentasse estruturar minhas campanhas em um livro, o resultado seria a pior aventura de RPG já publicada.
Mas o princípio que permite que essa confusão funcione é o mesmo que faz a simplicidade funcionar: jogadores não vivem toda a crônica de uma só vez – eles vivem as sessões, as aventuras individuais. As sessões precisam obedecer uma estrutura funcional (prometo abordar o tema em Dose de XP futuro), mas o todo da campanha é formado por uma ligação causal dos eventos transcorridos nas aventuras, e essa ligação pode muito bem ser linear.
Em outras palavras: a história da campanha emerge apenas quando os jogadores dão um passo atrás e analisam a jornada pela qual as aventuras os levaram. Se essa história maior for despretensiosa, o mestre pode se dedicar a contar melhor as aventuras individuais, pois não terá de introduzir muitos conceitos ou correr o risco de perder a atenção dos jogadores em uma reviravolta.
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