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O quão mortal seu jogo pode/deve ser? - Dose de XP #13

Se você é um mestre desenhando seu sistema, cenário ou campanha, e está se questionando se deveria matar os personagens com mais ou menos frequência, considere as seguintes coisas

Quais são os sistemas mais mortais já criados (que tenham feito algum sucesso) e o que eles têm em comum?


1) Os jogos mais mortais que eu já joguei são os publicados pela Chaosium, baseados no Chaosium Basic Roleplaying System (BRP). Runequest, Magic World, Mythras, e especialmente Call of Cthulhu (CoC). Esse último une os personagens frágeis que são inerentes ao sistema Chaosium BRP com a crueldade do universo de H.P Lovecraft. Você vai morrer ou enlouquecer; é inevitável.


2) Um amigo que mestra há décadas me respondeu que o RPG mais difícil é Chill, um terror investigativo que busca reproduzir a sensação dos filmes B de horror da Hammer, como Dracula (1958), A Múmia (1959), As Bodas de Satã (1968), etc. A quarta edição de Chill será lançada em 2022 pela Salt Circle Games. Por se tratar de terror, a ameaça precisa estar sempre presente na mente dos jogadores e a lâmina do mestre sempre afiada. Aqui, novamente, vemos uma contribuição do cenário à letalidade, que é essencialmente uma questão de HP, logo, de sistema.


3) O Old School Renaissance (OSR), movimento de valorização da forma como o RPG era jogado nos anos 1970 e 80, incorpora a alta letalidade que se via nos primórdios do D&D. Jogando esses retroclones (sistemas modernos que simulam sistemas antigos), você pode perceber como ferramentas de balanceamento foram incrementadas posteriormente para prolongar a vida dos personagens: níveis de desafio de monstros claramente indicados para encontros equilibrados, death saving throws (que são literalmente testes para não morrer), descansos curtos dentro de calabouços, etc.


Menções honrosas


GURPS também possui algumas regras que tornam o sistema letal. Usar as regras de localização de acertos e tirar um crítico pode matar qualquer personagem de nível alto com uma bala na testa.

Algumas pessoas responderiam Traveller, um sistema em que é possível morrer durante a criação de personagem. Sim. Enquanto você faz a ficha. Há um minigame na etapa de desenvolvimento dos heróis que pode resultar no fracasso mesmo antes do começo do jogo em si. Por isso, memes sobre o sistema fizeram sucesso recentemente na comunidade e a piada tornou Traveller uma referência no quesito dificuldade. Mas a verdade é que o jogo em si não é tão difícil e a morte na criação do personagem é bem mais difícil nas versões modernas do que na edição Classic Traveller (de 1977).


O que eles têm em comum?


A primeira característica partilhada por sistemas altamente letais são os personagens descartáveis. Isto é, a história independe dos heróis. Os protagonistas tendem a ser de rápida criação e ter histórias de fundo que coincidem com a trama principal. Em termos mais concretos: nenhum jogador quer abandonar a narrativa criada pelo mestre para perseguir desejos pessoais, e o mestre não precisa incorporar em sua aventura as motivações, medos e eventos criados pelos jogadores.


Outro ponto em comum nesses sistemas é a permissividade à substituição. Como a morte é uma certeza que eventualmente afetará algum jogador, os mestres precisam prever um sistema para substituir protagonistas mortos. Pode ser que o grupo dos jogadores seja acompanhado por personagens estepe: ajudantes ou mercenários que acompanham a party como ajudantes e que podem ser encarnados pelos jogadores que perderem seus personagens. Frequentemente, esses personagens estepe são já tão fortes quanto os protagonistas que estão substituindo.


Em relação aos sistemas menos punitivos, nos sistemas letais existe menos diferença entre os personagens experientes e os personagens novos. A progressão de níveis não carrega os jogadores com tantas ferramentas, poderes, magias, habilidades, talentos. Isso é causa e efeito da menor letalidade. É causa porque um grupo nível 14 em D&D 5e tem tantos recursos que o mestre terá dificuldade para matá-los seguindo as regras. É efeito, porque se as regras fossem mais letais, os jogadores teriam menos incentivo para perseguir combinações complexas de artifícios. Jogadores pensariam “Vou morrer não importa o que eu faça, então o esforço para elaborar um personagem forte é um desperdício”.


O que podemos aprender com isso?


Primeiro, reflita se os jogadores investiram muito esforço na criação de seus personagens. Se sim, matá-los pode alienar os participantes do jogo. Eles podem se sentir frustrados se o mestre não der a mínima para suas histórias individuais, para suas interpretações inspiradas, para o caráter único das personalidades inventadas. Mas, se os jogadores criaram estereótipos unidimensionais, o custo da morte é menor. Não há porque preservar clichês.


Segundo, se a morte significar que o jogador só poderá voltar à mesa várias aventuras no futuro, ou se sua morte significar o reinício desde o nível um com experiência zero, o custo da morte é alto. Se o grupo carrega personagens estepe, ou se o mestre permite a recriação de personagens de níveis altos, a morte pode ser mais frequente.


Terceiro, pondere o que está sendo perdido. A progressão de níveis em alguns sistemas se divide em tantas possibilidades que o mero level up requer estudo do jogador. Talvez uma combinação de habilidades cuidadosamente escolhidas forme um combo mais eficiente, e nesses casos, é melhor que o mestre seja bastante cuidadoso para não punir com a morte o jogador mais esforçado. Personagens cheios de recursos podem morrer, é claro, mas dentro das regras, ou o mestre vai premiar com a longevidade os jogadores que fizeram qualquer coisa.

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