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É importante ter um NPC companheiro? - Dose de XP #04

Updated: Mar 26, 2023

Um NPC na party pode ser um grande personagem, se conseguir caminhar na linha tênue entre encarnação do mestre e artifício narrativo barato




Recentemente, abrimos uma caixa de perguntas no Instagram do Metajogo para verificar quais temas os seguidores gostariam de ver explorados em texto. Uma questão aparentemente simples me enviou dezoito anos ao passado, de volta à época em que eu estava aprendendo a mestrar: “Há necessidade de um NPC para direcionar o grupo?”. A resposta, obviamente, é não. A própria formulação da pergunta sugere que o NPC companheiro (do tipo que acompanha a party aonde ela vai) serve como muleta para mestres pouco inspirados, um proxy do narrador, uma desculpa para sussurrar respostas no ouvido dos jogadores. A técnica diz que esse apoio artificial deve ser substituído por pistas no cenário que os jogadores encontram sozinhos ou por orientações de NPCs passageiros que ressoam no tema da narrativa. O problema Se esse tipo de personagem é um artifício tão barato, por que os jogadores da minha mesa se lembram dos nomes dos NPCs companheiros que eu coloquei em seus grupos 18 anos atrás? Mais do que lembrar do nome, os jogadores se lembram da personalidade, habilidades, objetivos e conflitos desses personagens secundários. A questão ficou ainda mais inquietante quando, pesquisando para responder à pergunta, encontrei mestres que utilizam NPCs companheiros de formas… exóticas. Este mestre, por exemplo, colocou uma multidão para seguir sua party – ele tem dúvidas a respeito de como fazer isso funcionar em combates, mas já avisou que se recusa a cortar os NPCs da história porque esses personagens tornam seu mundo mais profundo. Em outras palavras, se o recurso fosse tão ruim, não funcionaria; então deve ser bom, ou pelo menos ter o potencial de ser bem usado. O fato de serem convenientes não significa que não possam enriquecer a campanha. É ruim, menos quando é bom Meu argumento inicial é que os NPCs companheiros são expedientes intuitivos, que todo mestre iniciante emprega porque já estamos acostumados a ler e escrever com ajuda de figurantes convenientes que expõem a trama claramente. São personagens que estão sempre à mão para relembrar o objetivo do grupo, para acelerar o ritmo quando o tempo se esgota, para colocar os jogadores de volta no rumo quando eles se perdem. Se mal utilizados, as desvantagens são claras:

  • Os NPCs frequentemente roubam a cena com seus arcos dramáticos cuidadosamente arquitetados pelo mestre, já que os jogadores, em desvantagem, precisam improvisar;

  • O grupo aprende a interpretar a voz do NPC companheiro como a voz do mestre. O jogo deixa de ser aberto, com possibilidades infinitas e consequências imprevisíveis, e passa a ser sobre especular as vontades do narrador – deixa de ser RPG e se transforma em um Imagem e Ação em que a mímica é substituída pelas charadas de um personagem mal articulado;

  • Há complicações para o combate.

Por tudo isso, há um tempo, eu deixei de usar NPCs companheiros em minhas campanhas. Assim, a equipe demora mais para resolver os quebra-cabeças e os jogadores discutem sem parar qual caminho devem seguir, mas ao menos há garantia de que as aventuras contam a história do grupo e dos resultados de suas decisões. Quando é bom Outra vez, a pergunta me fez refletir sobre o que fez alguns NPCs funcionarem. Todos esses heróis secundários do passado eram mais do que elementos de roteiro, eram figuras complexas (com ideals, bonds e flaws, para usar a terminologia do D&D 5e). Eles não nasceram assim, mas foram ganhando traumas e objetivos conforme as aventuras avançavam e, ao final da campanha, tinham crescido em personagens bem caracterizados. Tenho certeza de que alguém já falou isso mais claramente, mas vou citar a mim mesmo no último Dose de XP: “Quando algo existe com uma finalidade, não serve para mais nada”. Neste caso, se o NPC é um guia, ele é apenas um guia. Então, o primeiro conselho é: faça seu NPC errar. Assim, os jogadores vão enxergá-lo como um personagem de fato, que pode colocá-los em problemas, da mesma forma que os outros membros da party. A segunda dica é: verifique se o trabalho do NPC companheiro pode ser desempenhado de forma mais natural. Distribua a função de orientar jogadores entre NPCs passageiros e pistas no cenário. A intenção aqui é descarregar um personagem de suas atribuições narrativas, para que ele possa fazer seu papel de personagem de fato. Se o NPC ficar incumbido de desenvolver toda a história e verbalizar a importância dos acontecimentos, ele rapidamente se tornará um protagonista artificial. A terceira e última advertência é: reflita, por que você quer um NPC companheiro? Todos os mestres temem que a história saia dos trilhos, que a trama vá para locais não mapeados, que os jogadores ajam inesperadamente. Entretanto, a história não pertence ao mestre – ela é coletiva. Frequentemente, o NPC é uma tentativa do narrador de controlar o enredo; uma tentativa que mata o jogo e a história. Mas nem sempre esse é o caso. Talvez a resposta para a última pergunta tenha sido, quero usar o NPC companheiro…

  • porque criei um personagem legal;

  • porque ele será necessário em um plot point (por exemplo, um momento em que um membro da party deve se sacrificar);

  • porque é um dispositivo de roteiro que move a história (por exemplo, um personagem com informações ou itens importantes ou relações com outros NPCs);

  • porque ele é um elemento central na narrativa (como a princesa que deve ser protegida enquanto viaja com os jogadores ou um traidor/espião na turma).

Em casos como estes, vá em frente. Mas repare que, em todos esses exemplos, os NPCs companheiros são mais do que meros instrumentos do mestre. Então se lembre de fazê-los críveis, falhos, mortais como os demais membros do grupo. Algumas recomendações práticas 1) Combate: O mestre já tem coisas demais para se preocupar e controlar os pontos de vida e magias diárias do NPC companheiro é um inferno. Além disso, mestrar sequências de combate entre personagens secundários enquanto seus jogadores apenas observam é ridículo, escapa completamente do propósito do jogo. O que funcionou em nossa mesa foi dar aos NPCs companheiros poucas habilidades definidas e colocar o controle deles nas mãos dos jogadores. Quando eu mestrava, qualquer jogador podia escolher controlar um NPC a qualquer momento, desde que ele ainda não tivesse sido "reivindicado". É importante fazer os NPCs companheiros brevemente mais fracos do que o restante da party para que eles não se tornem a ferramenta principal dos jogadores durante confrontos. Também é interessante diluir o controle dos NPCs entre todos os jogadores para não confundir a identificação dos jogadores com seus respectivos personagens principais. 2) Interpretando NPCs Os NPCs sabem o que devem saber: o clérigo está familiarizado com seu templo natal, mas não tanto com a cidade ao redor, e certamente não com o resto do continente. Considere a história de fundo do NPC primeiro e, em seguida, decida quais conhecimentos e habilidades eles possuem. Eu não mestro longos diálogos entre NPCs porque fazer vozes para mim mesmo é embaraçoso, mas é importante que eles sempre façam observações pontuais, perguntas e deem sugestões para não desaparecer da imaginação de todos. Com o tom de seus discursos, os NPCs podem ser ferramentas para o mestre criar atmosfera rapidamente e dar a sensação de um mundo vivo e dinâmico. 3) Personalidade Deve haver uma razão orgânica para o grupo aceitar a ajuda de um NPC companheiro e vice-versa. Toda sessão é carregada de NPCs passageiros, que figuram na história por apenas alguns momentos, como o marinheiro que o grupo contrata para guiá-los através do mar. É melhor que exista um motivo claro para o mestre promover esses personagens secundários ao cargo de NPC companheiro, então faça este marinheiro bastante característico e profundo desde o princípio se sua intenção é incluí-lo definitivamente na party. De forma concreta, o NPC deve ter objetivos e medos. Ele pode fazer sugestões e encaminhar o grupo na direção da resposta, contanto que não dê toda a resposta pronta e que suas sugestões às vezes mande o grupo para o lado errado também. Deve haver situações que suas habilidades consigam resolver. Mas também deve existir situações intoleráveis para o NPC, em que ele se comporta mal e atrapalha os planos da party.

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