O problema mais clássico de todo o RPG: se os jogadores não quiserem seguir o caminho planejado, o que um mestre honesto deve fazer?
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A resposta é mentir, trapacear, fraudar, enganar, lograr. O termo técnico é guiar a trama, mas eu quis ser enfático. Existem recursos para o mestre “empurrar” o grupo de jogadores em direção à aventura sem que eles percebam. Há também métodos para garantir que eles queiram entrar na campanha.
À primeira vista, a ideia de trapaça pode parecer uma coisa ruim, uma violação do princípio do livre arbítrio que torna o RPG especial. Mas resista a essa impressão e pense comigo. O que é a liberdade dos personagens? A réplica mais comum é algo do gênero: “os personagens podem explorar o mundo como quiserem”. Ok, mas o que é explorar o mundo? É simplesmente escolher abrir a porta da esquerda ou da direita? Se as duas portas levarem ao mesmo lugar, a escolha dos jogadores é uma ilusão.
Quero chegar ao fato de que é impossível para o mestre preparar todo o mundo de antemão, de forma que aquilo que os jogadores fazem fora da trama planejada acaba se tornando igualmente irrelevante. Se os jogadores escolhem não seguir a campanha; os acontecimentos passam a ser determinados por: A) improvisos desesperados; B) encontros aleatórios gerados por tabelas. Nesses dois casos, também temos o surgimento de uma campanha – mas uma campanha provisória e mal-ajambrada.
Ok, espero ter te convencido de que é melhor guiar os jogadores para poder contar uma história projetada com ferramentas competentes em vez de sacrificar a trama pela ilusão de livre-arbítrio. De qualquer forma, não diga aos jogadores que você está fazendo nenhuma das seguintes coisas.
RPG Quântico
O grupo dos jogadores explora uma trilha na floresta. Eles então chegam a uma bifurcação, de onde podem ir para a direita em direção à caverna do Beholder ou para a esquerda, onde a estrada continua. Eles não querem arriscar a luta contra um Beholder e vão para a esquerda. Cem metros adiante, adivinhe aonde eles chegaram. É, eles chegaram à caverna do Beholder.
Um mestre mais experiente pode ter uma abordagem menos grosseira. Se os jogadores decidiram ir para a esquerda, o narrador pode apresentar uma estalagem. Ótimo, dizem os jogadores, nós entramos e tomamos uma cerveja. O mestre diz, OK. Mas a estalagem está vazia. Esquisito. Os jogadores ficam apreensivos. Eles ouvem sussurros vindo do porão. Os PJs vão explorar. O porão tem um buraco na parede, e quando os jogadores exploram eles descobrem... A CAVERNA DO BEHOLDER!
De uma forma ou de outra, todos os mestres fazem isso. Algumas informações são essenciais para o andamento da história. Não importa qual gaveta os jogadores abram, essa mesma informação será encontrada. Se os jogadores não abrirem as gavetas, o mestre pede um teste de percepção para que eles notem a informação ali no chão. Se os jogadores ignorarem, um personagem coadjuvante surge mais adiante implorando que os jogadores ouçam suas palavras sobre a bendita pista.
O beholder behaviorista
Você pode fazer os jogadores quererem ir atrás do Beholder por uma recompensa; um tesouro, digamos. Mas a quantidade correta de tesouro é difícil de acertar porque, sendo o Beholder uma criatura muito perigosa, os jogadores podem exigir quantidades monumentais de dinheiro para cobrir o risco. Se eles conseguem concluir a missão, o mestre acaba os deixando mais poderosos com a recompensa e os próximos estímulos terão de ser ainda mais altos.
Para evitar esse problema, eu geralmente recorro à punição. Ao invés de ficar flutuando em sua caverna, o Beholder pode representar uma ameaça para aqueles fora dela. Digamos que todas as noites ele solta seus capangas demônios no vilarejo. Desta forma, a única opção dos jogadores é ir atrás do Beholder ou lutar eternamente contra seus minions. Você ganha pontos extra na escala de jogadores motivados se colocar uma contagem regressiva. Toda noite os demônios do Beholder ficam mais fortes e em breve destruirão todo o vilarejo se os jogadores não agirem agora.
Foi tudo planejado (não foi)
A parte mais importante desse truque é dar a ilusão de escolha. O mestre precisa dar a entender que os jogadores encontraram a caverna em um golpe de sorte, que notaram a pista apenas porque foram muito perspicazes (e não porque você tentou entregar a informação vinte e sete vezes até que um deles percebesse).
Se os jogadores entram na pelo subsolo da estalagem, percorrem o calabouço do Beholder e saem da caverna naquele ponto à direita da bifurcação da trilha na floresta, eles vão pensar que o mapa já estava projetado. Os jogadores vão concluir que eles tinham duas alternativas de entrada no mapa e escolheram uma delas. A verdade é que qualquer entrada escolhida iria guiá-los pela mesma sequência de salas e corredores.
Uma contraindicação
Como afirmei no primeiro parágrafo, essa é apenas uma resposta para a questão que surge quando os jogadores deixam o caminho planejado. Eu não recomendo que o mestre prepare uma aventura sem escolhas reais para seus jogadores. Se a aventura consiste apenas em um caminho floreado para dar a impressão de alternativas, essa aventura é horrível e não importa quanta mistificação o narrador empregue, os jogadores vão perceber a mentira e ficar bastante irritados.
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