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Por que apenas alguns combates são interessantes - Dose de XP #02

Updated: Mar 26, 2023

Use essas dicas para que seu grupo tenha que realmente jogar ao invés de descansar sobre o ataque automático ou sobre o velho combo imbatível



Todos nós, que rastejamos pelas masmorras regularmente, já atravessamos batalhas com a cabeça na louça por lavar. O mestre roda os turnos: ataque do esqueleto, D20, acerta, dano, ataque do próximo esqueleto, D20, erra; pronto, é a vez de vocês; espadada no esqueleto, D20, erra, flechada no esqueleto, D20, acerta… E a louça continua suja na pia. Esse tipo de fiasco é particularmente deprimente em sistemas cuja solução de conflitos depende da violência, como o D&D. Nestes cenários, o encontro deveria ser o momento de avanço da história, de mostruário da evolução de cada personagem, de inovação na criação de desafios e de inventividade de soluções. Mas o D&D é justamente o sistema mais permeado por este problema; com suas catacumbas idênticas que levam a kobolds, goblins e esqueletos idênticos (se você pintar as paredes cinzas de verde, pode ambientar a mesma aventura em uma floresta). O fenômeno não é uma incoerência de um sistema voltado para a simulação de combate, é uma obviedade resultante do foco no confronto sem inspiração. A explicação: mapas estáticos; inimigos sem alma; conservadorismo (geralmente preguiça) na produção dos adversários, o que possibilita que jogadores prevejam a ficha do oponente; conflitos difíceis demais, que obrigam o investimento do grupo no combo mais eficiente e que inibe qualquer atitude que fuja do desempenho ótimo. Neste texto, darei algumas dicas para que seus encontros sejam dinâmicos e interessantes, chamando a atenção dos participantes para o jogo, ao invés de mandá-la para a esponja e detergente na cozinha. 1) Pense em mapas com uma dimensão a mais Geralmente, os mapas de batalhas possuem apenas duas dimensões – com exceção de quando o mestre prepara um monstro voador para o encontro. Se não houver pontos de interesse neste mapa e se os monstros se moverem em apenas uma direção em sentido (para cima dos personagens), você tem a receita do fracasso. Quando digo “dimensão”, o primeiro pensamento é literal: acrescentar altura à geografia, talvez com inimigos atiradores que atacam à distância por cima. Pode ser. Mas a “dimensão” aqui é figurativa, com intenção de comunicar “nível de interesse”. A dimensão do tempo pode representar interesse caso o mapa esteja se enchendo de água ou as paredes se fechando ou o teto desabando. As duas dimensões habituais podem ser enriquecidas com cobertura, armadilhas, peças móveis. O importante é estabelecer as regras desde o princípio do combate: todos jogadores devem estar avisados de que o ventilador gigante irá passar com sua hélice cortante dentro de alguns turnos. 2) Todos os oponentes merecem pelo menos dois neurônios (até os goblins) Em um universo tão hostil quanto o de D&D, é impossível que mesmo as criaturas mais estúpidas sobrevivessem sem saber usar a cobertura de obstáculos ao redor. Mas os mestres insistem em narrar monstrengos pequenos correndo em linha reta até a montanha armadurada que é o paladino, da forma que nenhuma outra criatura faz na natureza. Flechas voam e bolas de fogo explodem, mas o kobold nunca se protege. O lobo está ferido, mas nunca foge para se recuperar. O tigre de bengala com seus 260 kg e 30 dentes se esconde para garantir um primeiro ataque contra presas ou invasores de território desprevenidos. Por que todos os seus minions banguelas de 50 kg começam a batalha à vista de todos? Considere iniciar o confronto com alguma surpresa na manga para uma batalha mais fluida, incerta e realista. À medida que os personagens entram na sala, eles descobrem inimigos invisíveis. À medida que os monstros surgem, os jogadores se perguntam que outras surpresas esperam. Estou me adiantando aqui (leia o 4º tópico), mas, se você corrigir este erro, deixará suas batalhas muito mais interessantes porque suas lutas ficarão mais difíceis sem que seja necessário aumentar o nível de desafio dos inimigos. Assim, jogadores terão de pensar para derrotar oponentes, ao invés de encontrar a sequência mais eficiente de ações. 3) Caracterize inimigos Ninguém pensa em uma pessoa como apenas um exemplar de humano. No D&D, humanos são aldeões, nobres, guerreiros, magos, ladinos… Desta forma, você pode atribuir aos inimigos funções específicas e até mesmo classes. Substitua o grupo de seis clones de goblins com seis cimitarras compradas no atacado por um goblin bárbaro cheio de vitalidade, um goblin furtivo mortal pelas costas, um goblin mago, um goblin arqueiro, um goblin que lança bombas… A ideia original de distribuir funções aos oponentes é da infame 4ª edição do D&D, que tentou sistematizar o conceito por meio de regras supérfluas. Apesar disso, a sugestão é inspirada e vale ser usada, de forma livre. Adotar funções para inimigos ajuda a tornar as batalhas memoráveis e obriga jogadores a pensar sobre o que estão fazendo em termos táticos. 4) Meia lua para frente soco fraco Os turnos são um recurso. Quanto maior o desafio, melhor os turnos têm de ser usados. É um erro típico do mestre de D&D sugerir que os oponentes podem ser derrotados apenas através da matemática do sistema. Quando os adversários são fortes demais e o mestre limitado demais, os jogadores desviam os olhos do jogo – não vêm os lustres que podem ser derrubados na cabeça dos inimigos – e voltam suas atenções para as próprias fichas, em busca do combo mais forte. Para evitar isso, é importante que o jogador tenha escolhas significativas a fazer. Aqui, o mestre têm infinitos recursos: o oponente ser caracterizado com um ferimento, um ponto fraco; o cenário pode entrar no jogo para ajudar personagens fracos a derrotar monstros fortes; a inteligência pode dar mais dano do que uma boa magia. Entretanto, é fundamental que o mestre entenda que todas as ações devem ter consequências. Como os turnos são recursos, é importante que mesmo as ações aparentemente banais deem resultados; caso contrário, o jogador compreenderá que apenas alguns investimentos de seu tempo podem ser frutíferos e, na ausência de alternativa melhor, essa impressão incentiva o ataque automático. O ataque automático aliena; o convite ao raciocínio é a essência de qualquer jogo.

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