Muitos grupos de D&D desenvolveram regras internas que melhoram o jogo. Aqui estão as minhas regras não-oficiais favoritas
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Os desenvolvedores de Dungeons and Dragons sempre encorajaram jogadores a se apropriar do sistema e produzir suas próprias regras caseiras. A popularização do jogo forçou uma padronização, para que diferentes mesas pudessem falar a mesma língua. Ainda assim, muitos grupos desenvolveram regras próprias que melhoram o jogo (algumas regras criaram vida e se tornaram sistemas próprios). Aqui estão algumas de minhas regras não-oficiais favoritas.
1) Teoria da relatividade restrita dos dados
Em algumas situações, é importante que os jogadores rolem dados para superar a classe de dificuldade (CD) de um desafio. Este elemento é tão fundamental na linguagem do jogo que foi generalizado e, hoje, a maioria dos mestres exige testes de perícias para toda interação dos personagens com o cenário. Quer procurar por uma chave? Teste de percepção; mesmo que esta chave esteja largada no chão, visível para qualquer pessoa que passe os olhos por ali.
Pensemos um pouco sobre o que o ato de rolar de um dado significa. Ele representa o acaso no mundo e as variações no desempenho da atividade realizada por um personagem. A importância do acaso aumenta quando existe pressão de tempo, quando se dispõe de apenas uma tentativa para cumprir a tarefa, ou quando ela é imprevisível por natureza. Nesses casos, o mestre definitivamente deve cobrar o rolar de um dado.
Mas quando o personagem está executando uma habilidade que treinou longamente para fazer, quando ele tem tempo para planejar suas ações, quando ele pode tentar e fracassar diversas vezes antes de obter um sucesso – nesses casos, os dados são desnecessários. Pode parecer óbvio, mas sou um defensor radical dessa ideia.
Para encorajar a boa interpretação, sou a favor de reduzir o CD sempre que jogadores descreverem suas ações em termos de cenário, e não de sistema. Se alguém diz que vai usar sua perícia em percepção, sabedoria, para procurar pela chave, o CD é 20. Se esse jogador afirma que vai olhar embaixo da cama, o CD é zero.
Se um jogador vai tentar escalar um paredão rochoso sem preparação, o mestre deve exigir um teste de atletismo, força, pois o imprevisto pode acontecer. Mas se o escalador estudar sua rota, o CD deve diminuir. Talvez estudar pontos de apoio na rocha por dez minutos garanta uma rolagem automática de 12, mas estudar o trajeto por uma hora garanta um sucesso automático.
Se um bardo, que treinou a vida toda a arte da oratória e persuasão, inventa de antemão uma mentira complexa, as chances de um alvo desatento perceber seu blefe são baixíssimas.
2) Ações são irreversíveis
“Ações são irreversíveis” era o bordão da pessoa que me ensinou a jogar RPG, há mais de 18 anos. Por mais de dez anos eu pensei que essa frase estava escrita no livro de jogador. Não está. Mas, de toda forma, é uma excelente regra que chama a atenção dos participantes para o jogo e que força rapidamente a imersão, garantindo que qualquer coisa dita durante o jogo terá consequências.
Se os jogadores falam em termos de regras do sistema, os NPCs pensam que aquele grupo está maluco. Se os jogadores param bem na frente do vilão para discutir um plano, o vilão aprende o que eles pretendem fazer e ganha iniciativa. Se o jogador fala que vai fazer algo de brincadeira, o personagem faz de verdade.
(Lembre-se de que nas primeiras edições do D&D, as perícias nem existiam. Você consegue mestrar parte de sua campanha no estilo old school.)
3) Teoria da relatividade geral da continuidade
De todas as coisas que me irritam quando estou mestrando, a que acho mais insuportável é o jogador João Kleber. Existe um círculo do inferno reservado para quem quebra a continuidade da história dizendo: “Para para para para! Lembra daquilo que aconteceu lá atrás? Pois é, essa coisa não poderia ter acontecido por conta dessa regra ou desse fato que só me lembrei agora. Então vamos mudar o que aconteceu cinco minutos no passado”.
Esse fenômeno geralmente acontece quando um jogador tem uma habilidade que o favorece no estilo “este personagem não pode ser pego de surpresa”. Mas nem sempre o mestre conhece todos os talentos de todas as fichas e naturalmente pensa que o grupo pode ser surpreendido. Mas o João Kleber sente que está sendo roubado se essa injustiça não for corrigida imediatamente (não há injustiça, o João Kleber foi desleixado e não prestou atenção no momento que deveria ter se manifestado).
Minha forma de lidar com esse jogador sempre foi dizer: “Agora já era. Lembre-se desse talento assim que a situação acontecer.” Porém, isso gera animosidade no jogador, que se sente trapaceado. A coisa fica ainda mais complicada quando a culpa pelo esquecimento também é do mestre – manter o controle sobre todo o mundo é difícil.
Por isso, pode ser mais interessante abraçar a quebra na continuidade de forma surreal, ao invés de simplesmente negar que os últimos minutos aconteceram. Nada acaba mais rápido com a imersão do que dizer: “então esqueçam, vamos voltar para a última sala no calabouço a partir do momento que cometemos esse erro”.
Por surreal eu quero dizer que talvez um espírito fantasmagórico inesperado tenha transportado o item esquecido para outro lugar; que o personagem pode ter uma amnésia súbita que apaga os últimos minutos de memória, que um portal sem explicação se abra para o passado.
4) Deixe o jogador jogar
Se o jogador é um engenheiro que sabe criar uma catapulta com madeira, cordas e ferro, o personagem dele também consegue, contanto que descreva exatamente o que ele vai fazer. Essa é uma “regra da casa”, pois o Livro do Jogador na 5ª edição coloca ênfase na história pregressa do personagem, em seus sonhos e temores próprios, em seu temperamento que é independente da personalidade do jogador. Se o jogador engenheiro interpreta um bárbaro analfabeto, cálculos para a construção da catapulta estão fora do alcance do personagem de QI baixo.
Como já afirmei em diversos textos, considero a ênfase no personagem um avanço da 5ª edição, mas a rigidez exagerada na interpretação dessa regra traz problemas.
Primeiro: isso aliena o jogador, que passa a sentir que seu personagem não é seu de fato. Como mestre, sua prioridade deveria ser a imersão e a diversão dos participantes, não a observância absoluta das regras.
Segundo: isso beneficia jogadores bem articulados, pois nos esquecemos de que a comunicação também é uma habilidade – e se você aceita que a habilidade interpessoal de um jogador seja transferida para seu personagem, por que não aceita que a inteligência de outro jogador se transfira também?
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