Regras para fazer morte, inconsciência e ressurreição muito mais interessantes - Dose de XP #20
- Italo Wolff, Jogador e Mestre do Metajogo
- Nov 24, 2022
- 5 min read
Geralmente, quando um personagem cai em combate a diversão acaba para aquele jogador, mas esse não precisa ser o caso.

Esse pode parecer um tema estranho e muito específico, mas pensar em como aproveitar o tempo inativo de um jogador dá alguns insights que podem ser aplicados em toda aventura de RPG. Quando um personagem cai, geralmente seu interesse pelo jogo acaba e a própria presença do jogador desencarnado na mesa se torna um inconveniente para o mestre: o que ele pode oferecer a ele?
Diferentes sistemas têm diferentes regras para lidar com a inconsciência, a morte e o retorno de um personagem. Independentemente da sua escolha de sistema, aqui estão algumas maneiras de manter um jogador se divertindo mesmo quando seu personagem cair.
Troque “desmaiado” pela “condição morrendo”
Na maior parte dos sistemas, o personagem vai do estado desperto e lutando para o estado dormindo e roncando em poucos segundos quando ele recebe dano o suficiente. Então, ele recebe cura e já está de pé de novo. Em alguns sistemas, existe a “vida negativa”, quando o dano leva seu HP para baixo de zero, e o personagem só morre quando esse número chega a dez pontos negativos, ou um número negativo associado ao atributo constituição, etc.
O sistema Storyteller ensina a fazer melhor. Nos livros publicados pela White Wolf (Vampiro: a Máscara, e outros) o estado de saúde baixa pode ser equiparado a outras condições como exausto,envenenado, paralisado, atordoado. Da mesma forma que condições estão atreladas a penalidades específicas, a condição “morrendo” tem suas particularidades.
A vantagem dessa ideia é acabar com o tempo inútil para o jogador na mesa e acabar com o problema da tentação do METAJOGO (rá!). Acontece frequentemente: só um personagem cai em combate, o grupo continua lutando. O jogador responsável pelo personagem inconsciente tem uma ideia brilhante, mas não pode comunicá-la, porque seu personagem está desmaiado. Isso é contraproducente porque contraria o princípio do jogo que leva à imersão dos jogadores. É literalmente uma regra dedicada a deixar o jogo chato por alguns minutos, como “punição” pelo dano. Existem formas melhores de fazer um jogador evitar ser ferido do que ameaçá-lo com tédio.
De acordo com a ideia da Condição Morrendo, o personagem poderia realizar ações limitadas. Por exemplo, o personagem pode: mancar ou rastejar poucos metros por turno; atacar e se defender com severa desvantagem; lançar feitiços com risco de efeitos horríveis, etc. É importante ressaltar que, caso ele receba dano adicional, a morte está aguardando.
Por outro lado, ele ainda consegue falar e usar seus sentidos, além de interagir com o cenário. O jogador continua ativo e prestando atenção no jogo. Outra vantagem é evitar a cena inverossímil do personagem saudável obrigado a carregar o camarada desmaiado como um saco de arroz para lá e para cá.
A última vantagem desta dica é que ela adiciona alguns pontos de realismo ao jogo. Nem todos os cenários pedem por realismo, mas alguns pedem – principalmente os gêneros de terror e de sobrevivência. É melhor imaginar um personagem ferido como alguém rastejando do que alguém dormindo. Você já tomou uma porrada tão forte na cabeça que chegou a desmaiar? Eu já fui atropelado por um Celta 1.0, fiquei inconsciente e tive de mancar por um quilômetro até em casa. Com autoridade, eu te garanto: é impossível que alguém que acabou de ter o crânio rachado simplesmente acorde e saia chacoalhando uma espada por aí.
O personagem morre mas sua história vive
Na ficha do personagem, os números são apenas representações que implicam as consequências previstas nas regras. O HP não é literalmente a saúde de um personagem, é um indicador que aponta como os jogadores devem proceder de acordo com o sistema. Concretamente, são determinações como “pare de acrescentar pontos de HP quando o número chegar ao máximo, mesmo se receber mais cura”. Ou “quando o HP chegar a zero você para de jogar por alguns minutos”.
Pensando por esta lógica, o que é o fim de um personagem? É a obrigação de se abandonar a ficha quando algumas condições acontecem (HP zero, mais dano, fracasso em testes de resistência, etc). O abandono deste personagem geralmente corresponde à sua morte na história… mas não necessariamente.
Ao invés de fazer o coração do personagem parar, o mestre pode mantê-lo ativo na trama como um NPC. Em RPGs medievais, existem uma infinidade de aventureiros aposentados – eles levaram uma flechada no joelho e tiveram de largar as masmorras para ir cuidar dos netos. Em alguns casos, o mestre pode tirar o personagem das mãos do jogador enquanto o mantém vivo, e existem várias boas razões para isso.
Se o personagem for carismático e querido pelo grupo, ele contribui acima da terra e é inútil abaixo dela. Se o personagem conhecer informações úteis para a história, o mestre pode usá-lo na trama. Tendo criado relações com outros jogadores, ele pode servir de motivação, mentor, contratante que passa novas aventuras aos jogadores.
A ideia vem de Call of Cthulhu (Chaosium), sistema no qual os personagens que perdem seus pontos de sanidade se tornam NPCs malucos. Frequentemente esse sistema força os jogadores a interagir com seus antigos personagens, que agora detém segredos sobre a destruição do universo mas estão enlouquecidos demais pelo que viram para continuar na ativa. Esses encontros são sempre tensos, desconcertantes e cheios de interesse.
Dê uma segunda chance… às vezes
Essa é uma opção para jogos mortais demais. Em Veins of the Earth (não perca as lives de Veins todas as terças às 20h na Twitch do Metajogo), chegamos a cogitar um sistema em que os mortos continuam auxiliando os jogadores vivos como fantasmas. Outras alternativas são anjos e demônios que barganham as almas dos mortos assim que seus corpos são destruídos; ou a continuação da aventura para os mortos em outro plano, em uma espécie de mundo dos mortos.
Entretanto, é fundamental manter alguma comunicação entre o grupo dos mortos e o grupo dos sobreviventes, ou a sua campanha vai se fragmentar em duas. É improvável que os jogadores vivos simplesmente esqueçam o objetivo principal para ressuscitar os colegas. Os espíritos devem continuar interferindo na campanha principal.
Bênçãos e maldições
Para que o jogador morto se interesse pelo jogo, a narrativa deve continuar lhe afetando e ele deve sentir que ainda pode afetar a narrativa. Em outras palavras, para que a história do último personagem (que Deus o tenha) seja relevante para o novo personagem, as consequências de seus atos não podem ser jogadas fora.
A dica é criar uma regra da casa que obrigue que um jogador leve para seu novo personagem uma vantagem e uma desvantagem relacionadas à morte do personagem anterior. Seu último herói morreu porque foi mordido por um tubarão enquanto tentava salvar um cachorrinho no mar? Isso pode render ao próximo herói uma fobia de água e a habilidade de se comunicar com caninos, por exemplo.
Jogue um NPC
No melhor estilo Oldschool, o jogador sem personagem pode encarnar um companheiro NPC. Caso o grupo esteja em um calabouço, essa é uma alternativa melhor do que esperar que o resto do grupo volte à civilização para conhecer o novo personagem criado do zero. Novamente, a intenção é reduzir ao máximo o tempo em que um jogador fica parado.